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Investigação da Polícia Federal aponta que organização criminosa fraudou por mais de 10 anos contratos com o governo para desviar recursos públicos destinados à alimentação de famílias pobres |
Após três anos de investigações, a Polícia Federal em
Pernambuco indiciou 40 pessoas, entre empresários e servidores públicos,
suspeitas de integrarem uma organização criminosa que criou uma empresa de
fachada para firmar contratos fraudulentos e desviar quantias milionárias do
programa social Leite de Todos, custeado pelos governos federal e estadual.
A coluna Segurança, do Jornal do Commercio, teve acesso
à conclusão do inquérito conduzido pela Delegacia de Combate à Corrupção e
Crimes Financeiros. No documento, de 636 páginas, há a informação de que o
grupo investigado apresentou recibos de ao menos 33 produtores rurais
já mortos para receber dinheiro repassado pela Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Agrário.
O programa Leite de Todos foi criado para aquisição de
alimentos a produtores rurais de pequeno porte e distribuição a beneficiários
em situação de insegurança alimentar e nutricional.
No esquema, de acordo com a investigação, o leite sofria
adulteração - com a inserção de sono de leite e citrato/dióxido de titânio para
diminuir custos e ponto em risco a saúde de quem o consumia.
A investigação teve início a partir do recebimento de
Relatório de Fiscalização do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), trazendo
indícios de desvio de verbas públicas na secretaria estadual e apontando,
somente no ano de 2020, o prejuízo aproximado de R$ 8,5 milhões.
Segundo as investigações da Polícia Federal, a pasta
estadual firmou contratos, entre 2014 e 2020, com a Cooperativa dos
Pecuaristas e Agricultores de Itaíba (COOPEAGRI) e repassou mais de R$ 73
milhões. Já entre 2021 e 2022, mais de R$ 22 milhões foram pagos. Parte dos
valores era do extinto Ministério da Cidadania.
Com a fiscalização do TCE-PE, constatou-se que
a COOPEAGRI "não passa de uma placa na fachada de uma loja de
miudezas pertencente à filha do presidente da entidade" e que quase que a
totalidade dos valores recebidos eram repassados ao laticínio Natural da Vaca
Alimentos LTDA, em Gravatá, no Agreste do Estado, responsável pela
execução do serviço contratado.
A Polícia Federal acusa o grupo de fraudar documentos
de produtores rurais como forma de comprovar a obrigatória aquisição do
leite in natura por parte deles para que valores em dinheiro fossem repassados
pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Agrário.
"Não surpreendentemente, fraudaram o processo de
despesa apresentando recibos de produtores de leite falecidos à época do
suposto fornecimento", descreveu a PF. Dos 33 mortos identificados
pela PF, ao menos sete tiveram os nomes usados em recibos desde a contratação
inicial, em 2014.
O produtor Francisco Alves de Lira, por exemplo, faleceu em
7 de setembro de 2011. Na prestação de contas da COOPEAGRI consta um
recibo de 1,5 mil litros de leite com data de outubro de 2014.
José Ailton da Silva, que morreu em 2 de março de 2011,
também teve o nome usado indevidamente. Ele consta como fornecedor de 5,4
mil litros de leite em outubro de 2014.
Durante a investigação, a PF também verificou que empresas
investigadas tinham contrato com a Secretaria de Educação e Esportes de
Pernambuco, na gestão anterior, para fornecimento de leite.
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Funcionários destruindo centenas de embalagens do produto lácteo "Leite da Merenda - Programa de Alimentação Escolar" — Foto: PF |
SERVIDORES PÚBLICOS ENTRE OS INDICIADOS
Para os investigadores, a organização era bem estruturada e
com funções distintas, divididas em líderes, gerentes, auxiliares, responsáveis
pela produção, testas de ferro, falsificadores, laranjas e servidores públicos.
No inquérito, entre os indiciados estão
os empresários Paolo Avallone, dono da Natural da Vaca Alimentos
LTDA, e Francisco Garcia Filho, com vínculo com a Planus
Administração e Participações, apontados como os líderes do esquema, e Severino
Pereira da Silva, presidente da COOPEAGRI.
A coluna tenta contato com as defesas deles.
Ex-funcionários da Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Agrário, a exemplo de gerentes jurídicos e de licitações e uma
coordenadora de articulação, estão entre os indiciados.
O inquérito revelou ainda que membros do Instituto
Agronômico de Pernambuco (IPA) teriam participado da emissão de documentações
fraudulentas para garantir o repasse de dinheiro.
Os crimes investigados foram de desvio de verba pública,
estelionato, corrupção, obstrução à justiça, falsidade ideológica, crimes
contra a saúde pública e lavagem de dinheiro.
Ao longo da investigação, ao menos duas operações foram
deflagradas, com cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão, em
novembro de 2022 e junho de 2023. Na última, a Justiça determinou o
encerramento de todos os contratos das empresas investigadas com o governo
estadual.
Fonte: Jornal do Commercio / g1