Crânio foi encontrado
na década de 1980 junto com uma flauta confeccionada com um osso. Fotos: Rafael
Furtado
Um crânio de idade aproximada de 2 mil anos, encontrado
no Sítio Arqueológico Furna do Estrago, no município de Brejo da Madre de Deus,
terá seu rosto revelado pela ciência no próximo dia 24 de abril. Será a
primeira reconstituição de um ser pré-histórico da região nordestina por meio
de um programa de Reconstrução Facial Forense (RFF), técnica que consiste em
restaurar a aparência de um indivíduo em vida por meio das características do
crânio.
Chamado apenas de “flautista”, a peça histórica,
integrante de uma tribo indígena, foi encontrada durante uma escavação
realizada na década de 1980, quando foram recuperados outros 83 crânios, que
hoje estão no acervo científico do Museu de Arqueologia da Universidade
Católica de Pernambuco (Unicap). A reconstituição ocorrerá graças ao grau de
conservação em que o flautista foi encontrado. O trabalho será feito por uma
equipe multidisciplinar de várias partes do País, composta por arqueólogos,
cirurgião plástico, biólogo, designer e historiador.
A possibilidade de reconstituir as feições do índio
ganhou vida após os estudiosos se interessarem em conhecer a face da população
pré-histórica da tribo, que vem sendo associada às primeiras características do
homem nordestino contemporâneo. Escolhido por ser uma das peças mais
emblemáticas do museu, sabe-se que o crânio em questão é de um homem adulto,
com cerca de 45 anos, que morreu possivelmente de morte natural. Ele se
destacou durante as escavações por conta do seu “enxoval” funerário – como são
chamados os adornos enterrados junto ao corpo.
Roberta Richard
acredita que o índio tinha ascendência sobre os demais integrantes da tribo
Chamou a atenção, em primeiro lugar, uma flauta
confeccionada em uma tíbia humana (um dos ossos da perna), que estava entre os
seus braços, talvez para emitir algum som de alerta para a tribo. Ainda com ele
havia 22 contas de sementes, supõem os pesquisadores, de um provável colar, que
o destacava dos demais integrantes do grupo.
“Acredita-se que ele tinha uma postura importante na
tribo, pois quanto maior o número de contas de semente, maior a hierarquia
dentro dessa tribo da Furna do Estrago”, observa a coordenadora do Museu de
Arqueologia e uma das participantes do projeto, a bióloga Roberta Richard.
Outro fato curioso é o estado em que foram encontrados os
crânios na Furna do Estrago. Todos estavam encobertos por fibras vegetais, como
num ritual de sepultamento. Entre as plantas, o caroá (da família das
bromélias) e folhas de palmeiras, usadas também para a fabricação de cestas e
redes. A dieta, porém, não era das melhores. As inflamações encontradas na
dentadura do flautista dá indícios de que era alto o consumo de glicose,
composta nos frutos. Eles também gostavam de se alimentar do caracol gigante,
também chamado aruá-do-mato.
Flauta
de osso humano encontrado com o índio
Pelos achados, supõe-se que o flautista vivia numa tribo
caçadora-coletora. É o que acredita o coordenador de Pesquisa e Estudos
Arqueológicos e Históricos da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Flávio
Moraes, um dos pesquisadores envolvidos no trabalho.
“Revelar o rosto do flautista será um avanço
significativo para a arqueologia, uma vez que vamos nos deparar diretamente com
um indivíduo ainda não compreendido em sua totalidade pela ciência. Por meio
das características físicas, vamos saber o fenótipo de toda a tribo, como o
tipo de olhos e cabelo, e a dinâmica da vida deles, até porque se trata de uma
população de 2.000 anos que já conseguia polir e manusear utensílios para
cortar carnes e quebrar sementes, por exemplo”, conta Moraes.
Próximos
passos
A primeira parte do trabalho consistiu em digitalizar o
crânio em 3D, por meio do escaneamento de fotos registradas em vários ângulos.
O próximo passo – e o mais complexo – será modelar sobre ele os músculos
principais da face e complementar com o restante dos chamados tecidos moles (a
exemplo de gorduras e glândulas) e projetar a espessura da pele. O resultado será
revelado ao público às 19h, no próprio Museu de Arqueologia da Unicap, que fica
na avenida Oliveira Lima, 824, na Boa Vista. “Dia 24 de abril será o grande
dia”, brinca Roberta Richard.