Há três anos o Brasil ocupa o
primeiro lugar no ranking de consumo de agrotóxicos no mundo. Um terço dos
alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos
agrotóxicos, segundo alerta feito pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco), em dossiê lançado durante o primeiro congresso mundial de nutrição
que aconteceu no início do mês de maio no Rio de Janeiro.
O documento destaca que, enquanto
nos últimos dez anos o mercado mundial de agrotóxicos cresceu 93%, o brasileiro
aumentou 190%. Em 2008, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o
posto liderança, representando uma fatia de quase 20% do consumo mundial de
agrotóxicos e movimentando, só em 2010, cerca de US$ 7,3 bilhões - mais que os
EUA e a Europa.
A primeira parte do dossiê da
Abrasco faz um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde e na
segurança alimentar. A segunda parte, com enfoque no desenvolvimento e no meio ambiente,
terá seu lançamento durante a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e na Cúpula dos Povos na Rio+20, em
junho, no Rio de Janeiro.
Segundo um dos coordenadores do estudo, Fernando Carneiro, chefe do departamento
de Saúde Coletiva da UnB (Universidade de Brasília), “o dossiê é uma síntese de
evidências científicas e recomendações políticas”.
“A grande mensagem do dossiê é que o Brasil conquistou o patamar de maior
consumidor de agrotóxicos do mundo. Queremos vincular a ciência à tomada de
decisão política”, disse Carneiro ao UOL.
Soja é o que mais
demanda agrotóxico
Segundo dados da Anvisa e da UFPR compilados pelo dossiê, na última safra (2º semestre
de 2010 e o 1º semestre de 2011), o mercado nacional de venda de agrotóxicos
movimentou 936 mil toneladas de produtos, sendo e 246 mil toneladas importadas.
Em 2011 houve um aumento de 16% no consumo que alcançou uma receita de US$ 8,5
bilhões. As lavouras de soja, milho, algodão e cana-de-açucar representam
juntas 80% do total das vendas do setor.
Na safra de 2011 no Brasil, foram plantados 71 milhões de hectares de lavoura
temporária (soja, milho, cana, algodão) e permanente (café, cítricos, frutas,
eucaliptos), o que corresponde a cerca de 853 milhões de litros de agrotóxicos
pulverizados nessas lavouras, principalmente de herbicidas, fungicidas e
inseticidas. O consumo em média por hectare nas lavouras é de 12 litros por
hectare e exposição média ambiental de 4,5 litros de agrotóxicos por habitante,
segundo o IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística).
Segundo o dossiê, a soja foi o cultivo que mais demandou agrotóxico - 40% do
volume total de herbicidas, inseticidas, fungicidas e acaricidas. Em segundo
lugar no ranking de consumo está o milho com 15%, a cana e o algodão com 10%,
depois os cítricos com 7%, e o café, trigo e arroz com 3% cada.
Maior concentração em hortaliças
Já para a produção de hortaliças, em 2008, segundo a FAO (Organização
das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), o consumo de
fungicidas atingiu uma área potencial de aproximadamente 800 mil hectares,
contra 21 milhões de hectares somente na cultura da soja.
“Isso revela um quadro preocupante de concentração no uso de ingrediente ativo
de 22 fungicidas por área plantada em hortaliças no Brasil, podendo chegar
entre 8 a 16 vezes mais agrotóxico por hectare do que o utilizado na cultura da
soja, por exemplo”, alerta o dossiê.
Numa comparação simples, o estudo estima que a concentração de uso de
ingrediente ativo de fungicida em soja no Brasil, no ano de 2008, foi de 0,5
litro por hectare, bem inferior à estimativa de quatro a oito litros por
hectare em hortaliças, em média. “Pode-se constatar que cerca de 20% da
comercialização de ingrediente ativo de fungicida no Brasil é destinada ao uso
em hortaliças”, destaca o estudo da Abrasco.
Riscos para a saúde
O dossiê revela ainda evidências científicas relacionadas aos riscos para a
saúde humana da exposição aos agrotóxicos por ingestão de alimentos. Segundo
Fernando Carneiro, o consumo prolongado de alimentos contaminados por
agrotóxico ao longo de 20 anos pode provocar doenças como câncer, malformação
congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.
Um fato alarmante foi à constatação de contaminação de agrotóxico no leite
materno, afirmou. Para o cientista, não se sabe ainda ao certo as consequências
para um recém-nascido ou um bebê que está em fase inicial de formação. “Uma
criança é altamente vulnerável para esses compostos químicos. Isso é uma
questão ética, se vamos nos acostumar com o nível de contaminação do
agrotóxico”, criticou.
Parte dos agrotóxicos utilizados tem a capacidade de se dispersar no ambiente,
e outra parte pode se acumular no organismo humano, inclusive no leite materno,
informa o relatório. “O leite contaminado ao ser consumido pelos recém-nascidos
pode provocar agravos a saúde, pois os mesmos são mais vulneráveis à exposição
a agentes químicos presentes no ambiente, por suas características fisiológicas
e por se alimentar, quase exclusivamente, com o leite materno até os seis
meses”, destaca o estudo.
Recomendações
O dossiê da Abrasco formula 10 princípios e recomendações para evitar e reduzir
o consumo de agrotóxicos nos cultivos e na alimentação do brasileiro. Carneiro
defende a necessidade de se realizar uma “revolução alimentar e ecológica”.
Segundo o IBGE, cerca de 70 milhões de brasileiros vivem em estado de
insegurança alimentar e nutricional, sendo que 90% desta população consomem
frutas, verduras e legumes abaixo da quantidade recomendada para uma
alimentação saudável. A superação deste problema, de acordo com o dossiê, é o
desenvolvimento do modelo de produção agroecológica.
Carneiro e sua equipe composta por seis pesquisadores defendem a ampliação de
fontes de financiamento para pesquisas, assim como a implantação de uma
Política Nacional de Agroecologia em detrimento ao financiamento público do
agronegócio e o fortalecimento das políticas de aquisição de alimentos
produzidos sem agrotóxicos para a alimentação escolar – atualmente a lei prevê
30% deste consumo nas escolas.
Além disso, o documento defende a proibição de agrotóxicos já banidos em outros
países e que apresentam graves riscos à saúde humana e ao ambiente assim como proibir
a pulverização aérea de agrotóxicos.
O cientista defende ainda a suspensão de isenções de ICMS, PIS/PASEP, COFINS e
IPI concedidas aos agrotóxicos. “A tendência no Brasil é liberalizar ainda mais
o uso de agrotóxico, só no Congresso Nacional existem mais de 40 projetos de
lei neste sentido. Nós estamos pagando para ser envenenados”, criticou
Carneiro.
Do Estação Notícias